sábado, 6 de outubro de 2012

O que somos nós?


Este ashram é um bom lugar e uma boa experiência para testar, refletir e melhorar em tantos aspectos e um deles para mim é o desapego da morte.
Tenho a certeza de que Amma faz isso intencionalmente para que nós os ocidentais (e todos aqueles que sofrem de apego a esta vida como eu) percebam a realidade suprema.
Para dar uma ideia mais clara, há um grande salão com laterais abertas (chamado de hall) onde Amma dá darshan. De quem olha para o pequeno palco numa das extremidades, no lado direito deste salão há um caminho (por onde Amma passa para entrar no hall) e logo depois há o café (lanchonete). Ali também funciona o restaurante ocidental, aberto quando Amma está aqui no ashram e ali também estão as mesas usadas pelos ocidentais para comer.
Bem ao lado deste café há uma área que foi recentemente coberta com piso cerâmico e depois o portão de saída da ala central do ashram e ali, bem ao lado do café, é feito o ritual de morte. Assim que alguém morre aqui, o pessoal da estrutura cobre o local com um plástico amarelo e coloca lâmpadas fortes. Duas mesas são trazidas. Uma contém um altar com lamparina e a outra é preparada para a colocação do corpo.
Simples assim. A pessoa morre, faz-se um ritual e, logo o corpo é levado para cremação. Algumas horas depois, não há mais quase vestígio do corpo.
Desde que cheguei aqui já ocorreram duas mortes e minha amiga francesa me contou que no mês de agosto três outras pessoas idosas já haviam morrido. Na primeira Amma estava fisicamente aqui. Ela interrompeu o darshan e fez uma pequena cerimônia cantando Om namaha shivaya e depois amarrou um pano sobre a cabeça do filho mais velho e colocou um coco sobre a cabeça dele e os amigos carregaram o corpo da mãe para a cremação.
Ontem mais uma morte. Não sei quem era, pois só vi quando estava a caminho do meu seva na lanchonete. Mas havia muitas pessoas e quando cheguei ao café o local para o ritual já estava preparado.
Tinha que voltar ao quarto logo depois do meu seva e não pude ficar para acompanhar o ritual até o local de cremação, mas não pude deixar de refletir sobre o simbolismos dessa morte e agradecer a Deus esta oportunidade de trabalhar este aspecto da minha consciência.
Simples assim, algumas horas depois que o prana deixa de habitar o corpo, já não há mais corpo. Portanto, o que estamos fazendo com a nossa vida?
Aprendi, quando estive aqui pela primeira vez em 2010, que os indianos desejam ser cremados o mais rapidamente possível para se liberarem o mais rapidamente possível. Dizem que é um sofrimento ficar ali preso ao corpo físico esperando que ele se deteriore.
Também aprendi que é preciso estar muito preparado para este momento, pois saímos por um dos orifícios do corpo e devemos estar preparados para sair por um orifício superior para nos ajudar a liberar e evoluir. (Seria por isso que tantas pessoas evacuam e fazer xixi quando morrem - elas saem pelos orifícios inferiores). O ideal mesmo é ter consciência plena dos chakras e sair pelo chakra coroa, mas isso já é outra história...
Também a literatura védica tem vários exemplos da importância do último pensamento e dos apegos criados e mantidos. É bastante conhecida a história do rei que foi viver em reclusão nas montanhas, abandonando tudo e nos seus últimos dias apaixonou-se por uma pequena gazela que viu tomando água em um lago. Sua mente fixou-se na gazela de tal modo que ele precisou ter duas vidas como gazela para poder se liberar.
Assim, como não acredito que seja possível aprender tudo isso penas alguns minutos antes de morrer, acho que é melhor praticarmos o tempo todo.
Primeiro admitindo sempre e constantemente que somos mortais e finitos e que a morte é certa e faz parte do processo de vida. Segundo, refletindo sobre o que somos e onde está nossa essência. Estará apenas no corpo que é destruído em tão poucas horas? Em terceiro lugar examinando profundamente nossos apegos.
Acima de todas estas questões, há também o pensamento e o coração constantemente em Deus e no Guru que é o que nos conduz em todos os momentos.
Aqui posso ver tantos comportamentos meus que revelam apegos - apegos aos meus filhos (como se não fosse inevitável que um dia eu parta), apego ao sofrimento do passado (que me impede de crescer mais rapidamente), apego às minhas doenças (afinal elas têm me servido há tanto tempo) e resistência à entrega.
Finalmente, ontem, ao viver esta experiência, pedi à Amma que eu tenha a bênção de ser acolhida e amparada por Ela no momento da minha morte, assim como me sinto acolhida e amparada em todos os momentos! Que todos tenhamos a graça de Deus no acolhimento.
Bem, falei de mim. E você? Como trata esses assuntos tão fundamentais? Anda esquecendo e achando que há outros assuntos mais importantes?


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Quero casar!!!! E os desejos? E o marido? E a Amma?


Muito provavelmente isso tem a ver com meu tema de vida, mas ainda me surpreendo com o tanto que escuto as pessoas falarem aqui que querem arranjar um companheiro. Engana-se quem pensa que isso venha apenas das mulheres. Independentemente do sexo e idade, tenho escutado isso muito.
Algumas perguntas me veem à cabeça:
1 - será que é mais fácil encontrar alguém aqui no ashram, ou será que as pessoas usam o fato de estar aqui para nunca realizarem seus desejos?
2 - será que por estarmos aqui neste lugar tão especial e tendo a certeza do acolhimento da Amma, pois aqui todos sabem que têm o mínimo garantido (tipo casa da grande mãe) sobra então tempo para se pensar, para se fazer contato com esses desejos?
3 - tudo bem, já entendi que o que nos traz de volta ao planeta são os desejos não supridos, mas, todos os desejos devem ser satisfeitos? A vida é só isso?
4 - eu até consigo pensar em satisfação de desejos que dependam de outras pessoas em um pequeno grau, mas sonhar com um relacionamento, um casamento depende de uma outra pessoa - isso me parece tão complexo!
5 - será legal simplesmente jogar esta "responsabilidade" sobre seu guru? Escutei de uma residente que está aqui há 20 anos: eu até ofereci para a Amma uma troca - eu pararia de fumar se ela me desse um companheiro, mas como Ela não me deu, então, fico com meu pequeno e único prazer - o de fumar.
Aí pensei que poderíamos fazer uma organização: mulheres de um lado, homens do outro e a Amma ia fazendo os pares, ou então, como somos todos irmãos, as pessoas iam simplesmente se juntando e depois construíam a relação.
Mas na verdade, o que tenho reparado é que esses "desejos" de casamento, de parceiro espiritual, de relacionamento amoroso que tenho escutado aqui no ashram acabam revelando, na verdade, outros desejos...
Quando pergunto às pessoas, tenho escutado respostas como: é muito melhor ter um companheiro aqui no ashram porque aí você ganha um quarto; estou cansada de ficar dura sozinha, com mais alguém a vida pode ser melhor; meu ex-marido já arrumou outra pessoa e eu estou só; fui abandonado pela minha namorada e quero me vingar.. e vai por aí....
Agora, uma pergunta: esses desejos reais não têm nada a ver com o encontro de dois corações, com a parceria de vida, com as mãos dadas num caminho espiritual, nem tampouco tem a ver com atração física....
Enfim, eu ia escrever sobre outra coisa, mas o tema ficou muito forte nas últimas horas.
Acho bem interessante conhecermos profundamente nossas necessidades e nossos desejos e avaliar, com clareza e objetividade como construímos e usamos esta oportunidade tão maravilhosa que é a vida!
Eu, por exemplo, passei, há um tempo atrás, um dia horrível, quando até pensei em ir embora porque queria ter uma cama!!!!



domingo, 30 de setembro de 2012

Rotina, que rotina?


Tinha pensado em escrever hoje um pouco sobre a minha rotina aqui no ashram, que difere dos anos anteriores. No entanto, apesar de haver uma determinada orientação na minha vida, que gira em torno da presença física da Amma, como pensar em rotina vivendo na extensão do corpo do guru?
Então, hoje me bateu uma saudade enorme da minha filha. Sei lá, vontade de estar com ela, de papear, daqueles momentos deliciosos que nós temos. Aí entrei num banzo total porque tenho esta saudade do Lucas há anos e fiquei mais triste ainda. Tentei me concentrar em muita atividade, tentei dormir, mas desabei de choro sem remédio para tanta saudade.
Até que resolvi sair do quarto e ir prá perto da Amma que estava desde manhã dando darshan sem que eu fosse até Ela. Nem precisei chegar até o hall. Já no café encontrei a moça com quem fiz seva durante este mês que gentilmente me perguntou se eu gostaria que ela fosse me visitar no hospital durante minha permanência lá. Dei mais alguns passos e encontrei uma outra moça alemã que queria muito dar um presente a alguém e achou que teria que ser eu. Ela me ofereceu bolos, qualquer coisa do café, mas como estou firme no meu regime sem açúcar (só prassad), aceitei uma small lemonade!!!

Visão da puja do aniversário da Amma

Caminhei mais um pouco e mais uma outra residente veio me oferecer umas balinhas. Mais um passos e minha pequenina, uma senhora doente que mora aqui com a irmã veio toda feliz me encontrar. Sempre que posso eu a levo tomar um chai fora do ashram. Esta história do chai fora do ashram é o maior desafio para mim. A gente vira uma ruelinha, anda 10 metros e está numa teahouse típica da Índia, com preços abusivos por causa da proximidade do ashram e com a sujeira e a tristeza típica do descaso que vejo sempre que saio daqui. Esta senhora, que vive aqui com a irmã, ambas de família nobre indiana (parece que elas eram princesas, mas não sei mais detalhes sobre isso), adora este chai e a irmã me pede para levá-la todos os dias, mas tem que ser exatamente às 18 horas.
E assim foi - uma sucessão de carinhos, de agrados, de gente gentil expressando a apreciação delas por mim e eu apenas recebendo todo este carinho - sentindo que vinha diretamente das mãos e principalmente do coração da Amma!
Então, depois de uma puja de Shiva-Shakti linda, depois de mais presentes, de meditar mais de uma hora perto da Amma.... enfim - depois de todo um dia, descobri que minha grande rotina aqui é mesmo a de ter respostas muito rápidas para quase tudo.
No entanto, Amma que sabe tudo, também sabe que há temas difíceis para nós e o de agora vem bem a calhar: quando dizer sim e quando é preciso dizer não!
A foto escolhida, além de retratar uma mandala linda toda em especiarias feita para a puja especial do aniversário da Amma, serve também para agradecer aos meus queridos alunos de astrologia aqui do ashram que, cheios de amor, me deram uma lamparina como essas para eu poder "queimar ghee" todos os dias, como me recomendou o astrólogo.
A rotina banal, bem esta fica para depois!
Om namaha shivaya