sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Ayurveda e a cura. Cura? Quem quer mesmo se curar?


Ayurveda e a cura. Cura? Quem quer mesmo se curar?
Continuo de certa forma ligada à ayurveda e ao panchakarma, tratamento que fiz durante o mês de outubro. Quero, antes de tudo, dizer que para mim o tratamento foi e está sendo excelente. Sinto e sei que a limpeza não foi completa, mas espero voltar a fazer nos próximos dois anos, como sugerido pela minha médica.
Devo também admitir que eu tinha uma noção errônea e superficial da medicina ayurvédica, também passada pela falta de profundidade da maioria dos profissionais com quem tive contato no Brasil, que acabam por impedir que essa medicina ancestral e tão bem elaborada possa curar doenças mais sérias, mas este já é um outro assunto e talvez outro tema.
Também quero desmistificar uma voz corrente, já escutei falar isso várias vezes no Brasil e aqui, que um verdadeiro panchakarma completo ocorre apenas quando se raspa a cabeça. Isso não é verdade e deixo aos que se interessarem a abertura para procurar saber mais. Digo apenas que há casos específicos em que a raspagem da cabeça é recomendada e não tem nada a ver com a completude e amplitude do tratamento.
Saí do hospital há mais de um mês, procurei voltar com cuidado às minhas atividades e principalmente no início, ficou bem evidente o quanto este tratamento me fez bem. Evidente também porque perdi vários quilos e isso ajuda a se tornar mais visível, mas vejo que minha pele está ótima, minha digestão, meu sono... enfim e o principal: nada de dermatografismo nem antialérgicos...
Mas o que me intriga mesmo e quero escrever aqui é o que aconteceu além do meu tratamento e por conta do sucesso dele. Três pessoas me procuraram e me pediram especificamente para acompanhá-las até o hospital para uma consulta, pois as três tinham problemas de saúde, quase todos graves.
A primeira pessoa foi uma americana que vive no mesmo prédio que eu. Chegamos no hospital e lá foi ela para a consulta. Fiquei esperando do lado de fora e tudo o que sabia era que ela queria muito uma massagem, mas não queria pagar os 20 dólares (mil rúpias) cobrados no asram. No hospital várias coisas são grátis para residentes do asram e os tratamentos mais baratos, segundo ela. A moça (da minha idade) saiu da consulta bem alterada emocionalmente, e disse que a médica havia se recusado a prescrever uma massagem a ela, dizendo que antes disso ela teria que tomar alguns remédios. Achei estranho, mas estava apenas acompanhando então... A pessoa foi à farmácia, comprou os remédios e voltamos. Algumas horas depois, ela me liga, bastante agressiva e criticando muito a ayurveda, os indianos, os remédios e a mim! Dizia que eu era culpada por ela ter mais uma vez se iludido, enfim.... afirmava que os remédios tinham bula mentirosa e que eram à base de álcool, blá,blá, blá... Chegou mesmo a sugerir confusamente que eu deveria pagar pelos remédios dela (algo em torno de 10 dólares).
Minha conclusão sobre este caso foi que para se curar e receber ajuda é preciso uma entrega e também a humildade de aceitar o médico como elemento de mudança. Não quero dizer com isso que se deve deixar o senso de proteção e de crítica do lado de fora do consultório, mas é preciso conceder ao médico a possibilidade de agir para que possamos nos curar. Um episódio posterior com esta pessoa me chateou muito, pois ela passou dos limites da convivência social. Não tenho mais muito contato com essa pessoa, em parte para me proteger e em parte porque não gosto dessa postura norte-americana de falar mal o tempo todo dos indianos. Oi! Onde moramos? Na Índia!!!! Acabei sabendo depois que esta pessoa tem, entre outros problemas psíquicos, um problema de constipação muito grave, indo ao banheiro apenas uma vez a cada 20 ou 25 dias! A massagem era uma tentativa de ir ao banheiro!
O segundo caso foi o das duas senhoras indianas que moram aqui e que são bastante debilitadas. Primeiro ela me havia dito que achava besteira a ayurveda e que não acreditava neste tipo de tratamento. Ela e a irmã que é doente de nascença têm muitos problemas pulmonares e estavam bem debilitadas. Pois, logo em seguida a este primeiro evento com a americana, vem a indiana me pedir para levá-las ao hospital de ayurveda para uma consulta. Lá fui eu mais uma vez. Desta vez, até entrei com elas na consulta, mas como foi toda em malaialo, saí de lá sem saber nada. Entendi apenas que a irmã mais velha estava bastante debilitada e precisava tomar com urgência os remédios prescritos e que a irmã com deficiência mental e problemas físicos estava com pontos perigosos no pulmão. Foi  uma trabalheira ir e voltar, procurar os remédios e conseguir de graça para ambas. Dois dias depois, a irmã mais velha me procurou e pediu para eu dizer ao médico que elas não iam tomar os remédios, pois tinham piorado!!! Eu sei que o sabor dos remédios não é bom, principalmente esses  líquidos que eles chamam de "kashaya", que são na sua maioria remédios antigos, concentrados de várias ervas,  que estão sendo recuperados pelo laboratório de produtos ayurvédicos da Amma, mas abandoná-los assim, apenas alguns dias após começar, sabendo que a situação é grave, ai, ai...
O terceiro caso que vou descrever aqui foi para mim o mais impressionante. Fui procurada por uma pessoa alegando ter uma doença grave, bastante grave que a obriga a fazer quimioterapia constante. A pessoa disse que já havia tentado chegar ao hospital e ter uma consulta para fazer um tratamento, mas não havia conseguido se entender porque fala mal inglês. Pediu ajuda para que eu fosse com ela ao hospital no dia seguinte. Tendo em vista a gravidade do caso, sugeri que ela fizesse uma consulta diretamente com a diretora do hospital. Após a consulta, tivemos que voltar na mesma tarde para que ela se consultasse com outro médico, mais especializado em casos difíceis. E lá fomos nós. A consulta foi maravilhosa, ele realmente demonstrou excelente qualidade profissional e humana. Foi definido junto com a pessoa um tratamento, para inicialmente desintoxicá-la de tanta quimioterapia, em 3 semanas, com gradual reintrodução da quimio com o acompanhamento dos resultados demonstrados por ela.
Várias pessoas sugeriram então, tendo em vista a gravidade do caso, que se falasse com a Amma diretamente. Lá fui eu outra vez buscar todos os meus conhecimentos e consegui uma pessoa para traduzir ao malaialo, consegui que ela chegasse até a Amma, que a carta dela fosse lida e a Amma, depois de mantê-la por muito tempo nos braços, abençoou o tratamento.Ela saiu do darshan maravilhada, emocionada e dizendo que sentia que tinha chegado o momento da cura.
Foi preciso voltar várias vezes ao hospital, ir ao banco, resolver vários problemas da pessoa, e nas idas e vindas fui percebendo o surgimento de uma resistência que foi aumentando, aumentando. Conversei com ela o quanto pude, expliquei o quanto é difícil a mudança, o quanto ela estava meio que "casada" com essa leucemia, até que ela começou a não aparecer nos encontros marcados para continuar a resolver os problemas dela e depois sumiu... literalmente sumiu.
Durante um jantar fico sabendo que ela resolveu não fazer o tratamento e os motivos que escutei foram os mais disparatados - claramente desculpas para não se submeter ao tratamento. Em seguida, partiu para passear com uma outra brasileira que conheceu aqui. Primeiro disse que voltaria em fevereiro, depois em junho, em julho - adeus.
Então, toda esta longa introdução serve para a reflexão que tenho me feito (naturalmente estou trabalhando esses aspectos de resistência dentro de mim também): quanto é grande a graça de Deus que se derrama sobre nós nos mostrando sempre o caminho melhor e quanto somos apegados e resistentes à mudança!
Por uma lado fingimos procurar ajuda, procurar a cura, mas estamos muito mais apegados à doença e a tudo que ela nos dá. Muitas vezes também estamos tão deprimidos que nos recusamos aceitar a cura, preferindo continuar a sacrificar o corpo.
Aceitamos a cura/transformação se ela se apresentar como milagre e não por meio de uma entrega e de um certo comprometimento e trabalho de nossa parte...
Finalmente, quanto usamos as "doenças" para chamar a atenção das pessoas. O último caso que citei é bem claro: todos se apiedam e procuram ajudar e ser gentil com quem tem leucemia mesmo que crônica, mas poucos têm amor por pessoas saudáveis e fortes!!!
Espero que este tema possa contribuir para a reflexão de algumas pessoas, da mesma forma que tem contribuído para minha reflexão e cura.